Recentemente,
um pessoal da UnB fez um ensaio fotográfico com pessoas negras segurando placas
com frases racistas que já ouviram ao longo de suas vidas. Uma proposta bem
interessante, importante para expor o racismo velado (ou por vezes até
explícito) que está por trás de certas falas. O ensaio ganhou bastante
repercussão, chegando até mesmo a aparecer no site Catraca Livre (e outros que
não me lembro de cabeça). A repercussão foi tanta que um grupo de racistas (ou
talvez tenha sido somente uma pessoa) criou um blog com as fotos com frases modificadas,
em tom zombeteiro e claramente racista. Não disponibilizo o link porque nem sei
se o site ainda está no ar. Na verdade, não tenho o menor interesse em procurar
e gerar visualizações para essas pessoas (ou pessoa).
Há alguns dias, a página Humaniza
Redes, no facebook, reproduziu esse ensaio. O que me impressionou – e me levou
a escrever sobre o assunto – foi a imensa quantidade de pessoas buscando
justificativas para legitimar as frases expostas pelos estudantes negros e
remover o contexto racista nos quais elas estão inseridas. Reproduzo alguns
exemplos abaixo, comentando cada um.
Frase
na placa: “Você não precisou de cotas
não, né?”
Comentário:
“Cotas por classe social, não por cor de
pele! Também tem branco pobre e negro rico! Vamos ter coerência, cota por cor
só aumenta o racismo!” (sic) – 3.644 curtidas.
Sim, isso mesmo que você leu. “Cota
por cor só aumenta o racismo!” A pessoa do comentário acima e outras 3.644 defendem
cotas sociais, não raciais. A justificativa para isso é: “tem branco pobre e
negro rico”. Eu entendo porque este é um argumento convincente. Em muitas
conversas que tive com familiares e com colegas, eles defendiam exatamente esse
ponto de vista. Para essas pessoas, é preciso que a universidade seja lugar de
pobres e ricos (o que concordo). Elas acreditam que as cotas sociais são
suficientes para que negros ingressem nas universidades (o que discordo), pois
supõem que eles são maioria nas camadas mais pobres (o que é verdade). A
vantagem da cota social seria a de que além de garantir o acesso dos negros à
universidade, ela também permitiria que brancos pobres desfrutassem dessa
possibilidade. Pena que o que acontece na prática é os brancos monopolizarem as
vagas reservadas às cotas sociais. A Carta Capital publicou um vídeo
recentemente em entrevista com o único aluno negro do curso de Administração da
USP, que adota o sistema de cotas sociais. Ora, parece que as cotas sociais não
são suficientes para dar conta do ingresso de pessoas negras. Acho que já somos
grandinhos o suficiente para acreditarmos que é incompetência dos negros. Cotas
raciais são importantíssimas, depois escrevo um texto sobre isso.
Frase
na placa: “Não sou racista, tenho amigos
negros”
Comentário:
“Não sou racista,Sou Branca,acho linda a
cor Branca, e ai,se eu ter orgulho da minha cor estou sendo racista ? Só vcs
podem ter orgulho da cor de vcs? Poxa gente fala sério.. Agora vou usa a frase
da foto,não sou racista tenho amigos negros,e até mesmo parente negro,meu avô é
Negro e não vejo diferença alguma entre branco e preto somos todos um só, igual
a beleza,cada um tem a sua,gente me poupe.” (sic) – 994 curtidas
Muito bonito esse discurso, a moça
tem amigos negros e até parentes negros, e na cabeça dela isso a impede de ser
racista. Muita gente aqui no Brasil pensa assim, acredito eu. Engraçado é que o
Brasil é um país muito miscigenado e mesmo assim tem racismo. A moça que comentou
não vê diferença entre branco e preto, mas aposto que a polícia, o porteiro do
condomínio, o gerente da loja de roupas de luxo veem a diferença. Sobre ter
orgulho da própria cor, não vejo problema nisso. Geralmente as pessoas têm
orgulho de coisas que conquistaram, pelas quais batalharam duro e tal. Sentir
orgulho por ser negro tem até algum sentido, já que por muito tempo ser negro
era motivo de vergonha (parece que pra alguns até hoje é). Os negros lutaram
por direitos políticos, por igualdade e essas coisas todas. Acho que faz
sentido eles sentirem orgulho por serem negros. Agora se orgulhar por ser
branco... Bom, parafraseando o Lucas do canal Vagazoide, se orgulhar por ser
branco é como se orgulhar de zerar um jogo no modo easy. Se orgulhar por ser
homem, branco e hétero, então, é se orgulhar de zerar um jogo no modo very
easy.
Frase
na placa: “Os próprios negros são
racistas com eles mesmos”
Comentário:
“Uma foto vai contra a outra... Quando,
na outra foto, a menina escreveu no quadro "você é privilegiada por ser
cotista", beleza. Mas ai vem essa imagem. Eu acho que se um negro exige
ter cota por ser inferior a um branco eu acho sim, que isso é racismo com a
própria cor” (sic) – 692 curtidas.
Essa é clássica. Já ouvi de gente
muito próxima a mim. Sério, estou com precisa de comentar... Só digo que é
muito imbecil.
Frase
na placa: “Você usa pó compacto
(maquiagem) ou carvão?”
Comentário:
“Sou novo por aqui e essa é a primeira
frase que é de fato racista que vejo na humaniza redes até o momento.”
(sic) – 807 curtidas.
Isso é porque você não leu os comentários
das postagens... Ah, e realmente, é você quem diz o que é ou não é racista, né?
Beleza...
E assim vai, muitos outros
comentários do tipo... O que é comum a todos eles: pessoas brancas querendo
dizer o que é ou não racismo, fazendo um esforço tremendo para que as frases
percam o caráter preconceituoso que possuem e procurando minimizar a dor que as
pessoas do ensaio sentiram ao ouvirem tais comentários. “Ah, mas essa perguntar
não foi por mal. Não pode mais perguntar isso? Tudo é racismo hoje em dia!”
Minha conclusão: o racismo persiste de forma intensa na sociedade brasileira,
buscando diferentes mecanismos para se manifestar. É, que merda...
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